quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sobre Internet, por Pedro Demo.

INTERNET, REGULAÇÃO E COLONIZAÇÃO

Gostei muito do texto e senti no dever de deixar disponível aqui, porém o texto é de : Pedro Demo, que é,  PhD em Sociologia pela Universidade de Saarbrücken, Alemanha, 1967-1971, e pós-doutor pela University of California at Los Angeles (UCLA), 1999 - 2000.
Atualmente, é Professor Titular Aposentado e Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB), Departamento de Sociologia.
disponível :http://pedrodemo.sites.uol.com.br/textos/remix26.html


Pedro Demo

Reconstruo duas obras críticas em torno da internet, uma voltada para a colonização globalizada (Green, 2010), outra para a colonização cerebral (Small & Vorgan, 2008). Também para se contrapor à avalanche de textos basbaques em torno do mundo virtual e da geração virtual (Tapscott, 2009. Rosen, 2010. Howe & Strauss, 2009), é fundamental aguçar o olhar crítico (Carr, 2010. Morozov, 2011. Bauerlein, 2008. Jacoby, 2008). Na verdade, o que interessa é aguçar o “olhar do educador”, sempre preocupado em observar os avanços tecnológicos na direção do aprimoramento do direito de aprender bem. Como as tecnologias são naturalmente ambíguas, pode-se sacar delas inúmeros resultados, também maléficos. O que não falta na internet é seu lado sombrio, em particular com respeito a crianças que rapidamente se fascinam por ela (Jacoby, 2008). Embora não seja o caso simplesmente proibir ou satanizar, porque facilmente contraproducente, é crucial saber “educar” as crianças para o uso responsável da internet. Não se usa a internet sem risco, também porque internet não é fenômeno neutro ou cândido. Do ponto de vista do educador, no entanto, tais riscos podem ser relativamente contornados – não eliminados – sob orientação sábia de professores equilibrados, críticos e autocríticos. Leve-se ainda em conta que as crianças manejam novas tecnologias mais habilmente que os adultos, o que lhes confere vantagem geracional até então desconhecida (Rosen, 2010). Por isso mesmo, os adultos não podem comparecer apenas como “argumento de autoridade”, porque o mundo da internet parece às crianças ser mundo sem autoridade. Esta visão não é realista, claro, mas é importante para a criança esta “sensação de liberdade” ao surfar na net.


I. INTERNET, CONTROLE E REGULAÇÃO


O texto de Green (2010) tem, entre seus charmes, uma visão histórica alternativa, por não se filiar a análises norte-americanas, que sempre veem a internet como invenção sua (Poster, 2001). Green relata peripécias de sua invenção, em particular a participação de próceres ingleses (com destaque para Turing), bem como certa tensão entre perspectivas de origem pública e de origem privada (Zittrain, 2008. Goldsmith & Wu, 2006. Lovink, 2003). A internet é “um site de constante reinvenção” (Green, 2010:1). Nos países mais avançados, já se tornou dinâmica pervasiva na sociedade e na economia (Bakardjieva, 2005. Fuchs, 2008), embora concentrada nos “homens mais ricos, mais bem educados, mais jovens...” (Id.:2), mostrando que ela retrata o perfil clássico de concentração desigual de privilégios. A participação feminina aumentou muito, sobretudo mostrou que a mulher lida com novas tecnologias com igual habilidade (Atton, 2004, Plant, 1999), mas, na prática, “hacker”, por exemplo, é coisa de homem (Levy, 2010. Green, 2010:38). Persiste expectativa exacerbada sobre promessas de mudança de tudo na sociedade e na economia (Head, 2010), ainda que muitos esperem, principalmente, resultados promissores educacionais (Linn et alii, 2004. Ertl, 2010. Andriessen et alii, 2010).
Green toma o termo “internet” em sentido amplo, cobrindo: “i) a infraestrutura tecnológica interconectada e em rede que suporta a WWW; ii) sites proprietários vinculados à web (tais como aquele mantido por The Louvre, o museu famoso francês); iii) software e arquitetura de fonte aberta e fechada (por exemplo, Firefox, Wikipedia, Internet Explorer, Google); iv) linguagens de computador e cotidianas em termos de tornar a internet acessível às pessoas de muitas culturas e literacias; v) email, chat e mensagem instantânea (por exemplo, AOL, MSN); vi) blogs e sites de redes sociais (por exemplo, Facebook); vii) jogos, comunidades, ambientes e mundos (por exemplo, Word of Warcraft, Second Life); viii) os muitos modos nos quais comunicação digitalmente mediada se tornou domesticada e pervasiva dentro do dia a dia” (Green, 2010:3). Como se observa, o termo cobre inúmeras dinâmicas, mediadas pelas tecnologias do computador e, em geral, com forte tendência interativa. Ao mesmo tempo, há diferenças notáveis entre bens físicos e digitais, realçando-se quatro principais: i) informação não é consumível – pode ser reusada sem desgaste; iinão é transferível – quando se envia um texto, este texto continua disponível; iii) é indivisível em seu significado (não existe ¼ de informação); iv) é acumulativa – o processamento de informação tende a torná-la ainda mais acessível e útil. Mas há ainda outras dimensões surpreendentes das tecnologias da informação, entre elas: i) concentração – armazena mais eficientemente dados e informação e com acesso simultâneo; ii) dispersão – permite que informação seja exportada para muitos sites diferentes; iii) circulação – abre leque de escolhas para usuários; iv) feedback– permite às TICs, via protocolos de dados, verificar se toda a informação enviada chegou bem; v) busca – motores de busca multiplicam o acesso constante à informação (Id.:7). Tantas dimensões estupefacientes contribuem para vermos a tecnologia como infraestrutura “determinante”, em vez de levamos em conta a reciprocidade entre sociedade e tecnologia (Fuchs, 2008. Simondon & Hart, 2001).
Green, enfrentando a polêmica em torno do determinismo tecnológico, reconhece que, para muitos, as novas tecnologias mudam rápido demais, nos impondo a sensação de rolo compressor. Não reconhece sua pretensa neutralidade. “Alguns analistas constroem tecnologia como o poder que move a mudança social, impactando a sociedade. É quase como se as regras científicas por trás do desenvolvimento e aplicação de tecnologia fossem mais efetivas e não negociáveis do que dinâmicas sociais e culturais que moldam as comunidades e países nos quais vivemos. Já que novas tecnologias de mídia seguem as leis da ciência – da eletromagnética, engenharia, digitalização – isto pode ser interpretado como indicando que mudança tecnológica é um dado, como gravidade. Não há como questionar sobre se gravidade é boa ou maléfica. Conforme esta abordagem, o único papel da sociedade é adaptar-se à tecnologia e ajeitar-se num futuro que é movido pela mudança tecnológica. Tal perspectiva vê tecnologia como moldando a sociedade. É chamado de ‘determinismo tecnológico’ porque a tecnologia é posicionada como o elemento mais importante determinando a vida das pessoas” (2010:8). Na prática, porém, o determinismo tecnológico não é mais defendido cruamente, também por pressão de visões que apontam algumas tecnologias como inerentemente maléficas, contaminando todos os usos da tecnologia[1], sem falar no contraponto dos “deterministas sociais”. Estes consentem que tecnologia é agente fundamental de mudança, mas não é desenvolvida fora da sociedade, sendo expressão de suas prioridades e escolhas históricas. Chama-se a isto de “construtivismo social”, propugnando em favor de que “forças sociais constroem nosso entendimento do mundo e moldam como agimos nele” (Id.:9). Aponta-se para ações das elites interessadas nas tecnologias, bem como para movimentos do mercado, não sendo, assim, acidente que algumas tecnologias são promovidas, enquanto outras não (entre estas, por exemplo, avanços pífios na vacina contra AIDS). “Esta perspectiva posiciona tecnologia como tendo o poder de impactar a vida diária, mas também constrói as tecnologias como resultado de processos sociais. Quando tecnologia é posicionada como resultado de dinâmicas sociais, como é na moldagem social da abordagem da tecnologia, há a possibilidade de que processos tecnológicos possam se tornar responsabilizados e seu desenvolvimento e projeção regulados. A perspectiva da moldagem social da tecnologia é em geral positiva. Afirma que tecnologia não está fora de controle dos processos sociais. Contudo, assevera que, sendo tecnologia parte da sociedade, tende a expressar as prioridades dos grupos de elite desta sociedade” (Ib.). 
Na elite aparecem as Forças Armadas, a Burocracia (governamental) e as Corporações (Empresas) (ABC). Depois, aparecem outros protagonistas, entre eles Colaboradores Distribuídos; inovadores de cada dia (Everyday) (DE). Esses últimos dois protagonistas respondem pela fantástica recriação diária da internet (harnessing the hive – aproveitando a multidão). Green faz esta estruturação do protagonismo na internet, em parte para concluir que não pode seu ambiente ser neutro: torna-se claro que está em jogo um turbilhão de interesses cruzados. “Ao nível de um objeto – à media que um objeto é tão inerte quanto uma escultura destituída de sentido do e para que foi feita ou de como é usada – tecnologia poderia ser vista como neutra. No entanto, seria difícil reconhecer tal entidade inerte e misteriosa como é tecnologia: tecnologias necessariamente possuem um uso. Uma vez conhecido este uso, neutralidade se torna impossível como resultado da tecnologia estar associada a certas elites, usuários, resultados e processos. Ademais, só algumas pessoas detêm o know-how para usar a nova tecnologia. Quando se confere consideração às pessoas, a tecnologia se torna imbuída de questões de poder, privilégio, gênero, nação e educação: inteiramente encaixada em processos sociais e culturais” (Id.:10). Este encaixe pode ser flagrado nas histórias diferenciadas do surgimento das novas tecnologias, bem como na “tecnologia como cultura masculina” (Id.:38) e nos desafios de sua regulação. Tendo ocorrido sua formatação mais decisiva nos Estados Unidos, a internet tem, em parte pelo menos, a cara do sistema social e econômico americano. Provavelmente, se a internet tivesse surgido na China, teria perfil completamente diverso em seu uso (Collins, 1998). Como observa Florida (2010), discutindo a “classe criativa”, a criação se orienta por três Ts: tecnologia, talento e tolerância... Não é difícil divisar por trás a ideologia liberal de mercado, ainda que, neste caso, possa ser aplaudida, por conta dos movimentos do software livre, da expressão livre, do acesso interativo para todos (Zittrain, 2008), e mesmo do “livre mercado”. Este aplauso pode ser constrangedor, mas não custa reconhecer que na “liberdade de mercado” há tópicos relevantes da “liberdade”.
Uma das questões candentes é sempre a “regulação” das tecnologias, e da internet em particular. De um lado, esta é sempre regulada, porque é função dos governos e do Estado, mesmo que seja a serviço do mercado. Dinâmica tão relevante não escaparia, jamais, à legislação burocrática reguladora (Goldsmith & Wu, 2006). Na prática, tolera-se apenas uma regulação “de toque leve” (light touch), uma artimanha das empresas privadas para apoderar-se também da regulação. Segundo Green, regulação “light touch” “significa que uma atividade é essencialmente autorregulada pela indústria interessada, usualmente sob o escrutínio de um corpo estatutário. Um corpo estatutário é uma organização formada pelo governo para regular uma indústria. Usualmente inclui representantes da indústria e do consumidor em seus comitês. O processo de autorregulação significa que o sistema não requer intervenção para além do consumidor, do provedor de serviço e do corpo da indústria, a não ser que o consumidor esteja infeliz com a resposta ou a maneira nas quais a resposta é manejada, em cujo caso contataria tipicamente um representante eleito, ou escreveria a jornais, ou tomaria ação legal contra o regulador” (Green, 2010:48). O poder de fogo do cidadão é desmesuradamente inferior, mesmo quando razoavelmente organizado em entidades de “defesa do consumidor” (em geral, sendo estatais, subordinam-se facilmente às empresas, tal qual ocorre com as Agências Reguladoras, no Brasil). É comum, no mundo todo, que telecomunicações permaneçam monopólio regulado pelo governo (Id.:55): os governos manejam regulações a serviço do monopólio! A liberdade de mercado e de expressão é cercada de impunidades por todos os lados, a começar pela defesa seca da “liberdade absoluta de imprensa”, ignorando-se que toda “liberdade absoluta” é ditatorial: não deixa qualquer espaço para o dissenso. Rápida e insidiosamente, iguala-se regulação com censura, desprezando que todo poder (também o da imprensa) sem regulação pública é desmando. Regular é arriscado, mas é ainda mais arriscado proteger monopólios.
Quando se discute a regulação da internet, o caso chinês sempre é citado, porque na China as empresas ocidentais de internet não se movimentam à vontade. Favorece a posição chinesa o fato de que está ocupando – com velocidade estonteante – espaço próprio econômico e tecnológico, colocando em risco a liderança americana. É clara a pretensão chinesa de “construir uma ordem global à imagem da China” (Leonard, 2008:113), combinando o “desejo de estabilidade dentro dos limites nacionais com a ambição de se tornar enormemente influente no palco internacional” (Green, 2010:52). Há avidez declarada dos chineses de entender o que está fazendo a atual ordem global funcionar, e a internet é parte substancial desta dinâmica. Ernkvist e Ström (2008:98), analisando o controle chinês sobre videogame online – e isto pode ser extrapolado para a atividade online em geral – ressaltam três aspectos relevantes da política estatal: i) controle da informação; ii) tecnonacionalismo; iii) medos sociais/nacionalismo pragmático. Tecnonacionalismo acena para a visão chinesa de que, tendo sido a internet desenvolvida nos Estados Unidos, carece ser “reimaginada” de sorte a tornar-se mais culturalmente chinesa e para garantir que a maior parte dos lucros fique na China. Controle da informação digital, em combinação com a promoção de uma ética nacionalista, impulsiona muito do que a China tenta fazer em sua política da internet. Alcunhada de “muralha de fogo da China”, controla o acesso dos cidadãos a informações sensíveis, incluindo-se: sites de grupos internacionais de direitos humanos; registros de eventos passados como a censura da Praça Tiananmen; revindicações de dissidentes por autonomia e independência de Taiwan e Tibete... (Green, 2010:52). Recorde-se que, em 2005, Yahoo foi condenada por dar às autoridades chinesas detalhes da conta de Shi Tao. Por isso, uma subcomissão do Congresso norte-americano convocou Yahoo, Google, sistemas Cisco e Microsoft a explicarem as políticas adotada na China. As empresas de internet se defenderam dizendo que seria preferível fazer funcionar uma internet censurada na China a não ter nenhuma internet ou controlada por empresas chinesas. O parlamentar Lantos (democrata da Califórnia), comentou ironicamente: “Tais empresas nos dizem que estão mudando a China. Mas a China já as mudou” (Green, 2010:53)[2].
É surpreendente que, embora a repressão política comprometa o potencial da internet de liberalizar a sociedade chinesa, encontram-se sinais de que a discussão está se tornando mais aberta, ainda que evitando assuntos mais sensíveis. Segundo Leonard (2008a) (Diretor Executivo do European Concil onForeign Relations e autor de What does Chine think?), em viagem em 2003 reconhece sua estupefação ao descobrir que na Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS) sediada em Beijing havia 50 centros de pesquisa cobrindo 260 disciplinas com quatro mil pesquisadores de tempo integral. Isto era mais que a soma de todos os pesquisadores think-tank[3] de toda a Europa (por volta de mil), enquanto haveria talvez por volta de dez mil nos Estados Unidos, considerados o paraíso do think-tank. Há que se levar em conta que os quatro mil pesquisadores no CASS eram fração muito diminuta da força de trabalho think-tank chinesa. Só em Beijing existiriam por volta de uma dúzia, sem falar nos think-tanks de outras localidades, também interioranas, alimentando debate candente sobre o desenvolvimento do país: “economistas da ‘nova esquerda’ discutem com os da ‘nova direita’ sobre desigualdade; teóricos políticos debatem sobre a importância relativa de eleições e a regulação por lei; e no campo da política externa, os neoconservadores da China discutem com internacionalistas liberais sobre grande estratégia” (Leonard, 2008a. Apud Green, 2010:53). Pode surpreender que política na China seja tão ardentemente debatida. Desacordos não são visíveis facilmente, já que questões chave não são tocadas, tendo em vista que dissidentes são perseguidos, enquanto se discutem temas como se são os intelectuais que influenciam tomadores de decisões, ou se grupos de tomadores de decisões usam intelectuais favoritos como porta-vozes para alardear as visões próprias. Do ponto de vista ocidental, não é debate ao modelo de Westminster (da academia inglesa), embora existam espaços de liberdade incrustados entre o processo de cima para baixo e rígido do Partido Comunista (com poder absoluto), e processos negociados em níveis locais e de alcance mais limitado e fragmentado, com inúmeros atores e seus conflitos (Errnkvist & Ström, 2008:102).  Dentro desses círculos de engajamento democrático à la  chinesa, alguns cientistas políticos e pesquisadores think-tank questionam frontalmente problemas da democracia ocidental, entre eles: comparecimento declinante em eleições; desilusão com líderes eleitos; partido político e sindicatos em queda; emergência de política alimentada por pesquisa de opinião.  Há quem sugira que política ao estilo ocidental é “essencialmente um modelo em falência” (Green, 2010:54), tornando-se premente buscar outros modelos e os chineses poderiam aportar ideias pertinentes. É possível ocorrer em cidades menores fenômeno similar à democracia deliberativa ateniense, como sugere Fishkin et alii, 2009), permitindo experimentos inovadores com graus inauditos de liberdade de expressão e prática. Para o olhar ocidental, tais dinâmicas, ao mesmo tempo incongruentes em ambiente de poder absolutista do Partido Comunista e pertinentes como questionamento de baixo para cima, incomodam, tendo em vista que nossas democracias são mais que imperfeitas, ademais de historicamente cansadas.


II. COLONIALISMOS E AMBIGUIDADES


Em parte, entendo por colonialismo a vigência (talvez até recrudescimento) da “digital divide” (Dijk, 2005), também em países avançados; em parte, o direcionamento norte-americano da internet (americanização da internet). O mercado das telecomunicações cresce a olhos vistos e muda constantemente, como está ocorrendo com a telefonia móvel (Green afirma que foram “dizimadas”) (2010:61). Segundo Passerini et alii (2007:25) “conectividade sem fio está conduzindo a inovação e as oportunidades de negócio”. No entanto, as “fontes da internet” continuam amplamente concentradas num número restrito de nações, enquanto “a maioria enorme de nações partilha frações sempre decrescentes da população que dispõe de internet”. A tabela 1 retrata um mapa dos usuários da internet na população dos países (Green, 2010:65).  
Tabela 1. Usuários da internet como percentagem da população de um território (2009)

População
População usuária da internet
% de usuários da internet
Malvinas
2.483
2.400
96.7
Islândia
306.694
273.930
89.3
Noruega
4.660.539
3.993400
85.7
Holanda
16.715.999
14.272.700
85.4
Dinamarca
5.500.510
4.629.600
84.2
Andorra
83.888
70.040
83.5
216 nações e territórios…



Etiópia
85.237.338
360.000
0.4
Serra Leoa
5.132.138
13.900
0.3
Bangladesh
156.050.883
500.000
0.3
Mianmar
48.137.741
40.000
0.1
Timor Leste
1.131.612
1.500
0.1
… 15 entidades com ‘0 usuários’



Fonte: Dados derivados de Internet World Statistics (2009). Miniwatts Marketing Group – http://internetworldstats.com/top20.htm(Green, 2010:66).
Alguns países mais desenvolvidos apareciam com percentagens acima de 80% da população conectada na internet. Outros acusavam proporções mínimas, abaixo de 1%: Etiópia tinha mais de 85 milhões de habitantes, mas apenas 306 mil tinham acesso (0.4%). Bangladesh tinha uma população superior a 155 milhões de habitantes, mas apenas 500 mil usuários (0.3%). Trata-se de populações imensas ainda destituídas dessas oportunidades virtuais: em Mianmar (antiga Birmânia), com uma população de 48 milhões de habitantes, somente 40 mil tinham acesso (0.1%).
A Tabela 2. descreve a proporção de usuários da internet na população de alguns países e na população mundial usuária, indicando níveis agudos de concentração. China tinha a proporção mais elevada de usuários da internet do mundo (20.3%), mas, quando comparada com a própria população, eram 25.3%. Já Brasil tinha apenas 4% dos usuários da internet do mundo, mas, dentro da própria população, eram já 34%. Nos Estados Unidos, os usuários da internet era 13.6% do mundo, mas 74.1% da própria população. Enquanto Japão tinha 74% de sua população como usuária da internet, na comparação mundial era de apenas 5.6%. Em termos mundiais, em 2009, só 24.7% da população tinham acesso à internet, ou seja, ¼ da população estava incluída. Como a inclusão digital se aproxima cada vez mais da inclusão social, países que valorizam mais seu planejamento estratégico correm atrás do objetivo de garantir uma “população digitalmente alfabetizada” (Green, 2010:68).
Tabela 2. Percentagem dos usuários da internet do mundo e percentagem dos cidadãos de um país usuários da internet, para os cinco países no topo em termos de número de usuários (2009).

% dos usuários da internet do mundo
% da população da nação usuária da internet
China
20.3
25.3
US
13.6
74.1
Japão
5.6
74.0
Índia
4.9
7.0
Brasil
4.0
34.0
Fonte: Mesma da Tabela 1 (Green, 2010:67).
Segundo Green, a internet acaba tendo a cara de quem a inventou ou a controla. “Nossa ideia da internet é, em certa extensão, o que fazemos dela” (2010:79). A China desenvolveu um site próprio de busca – Baidu – sob o slogan patriótico “sabemos melhor chinês”. Sem contar com o confronto de mercado, esta noção se nutre da inspiração cultural diversificada, tentando mostrar outros modos de conceber, configurar e usar a internet. É conhecida a crítica dura de Schiller (2000) ao “capitalismo digital” norte-americano, analisando-o como sistema de controle. Este controle aparece não só no alinhamento ao mercado liberal, mas igualmente aos estilos de vida ocidentais, capturando a imaginação e energias de países mais pobres. “Nossa tecnologia – sistemas computadorizados de armas, escâneres médicos, a internet – fixa o padrão ao qual países em desenvolvimento aspiram” (Schiller, 2000:149). Este autor reconhece que, já antes do advento da internet, um “velho imperialismo colonial” foi substituído por imperialismo ‘suave’ (soft) cultural e comercial (Id.:80), incluindo: a própria língua inglesa, shoppings ao estilo norte-americano, música de intérpretes internacionalmente patrocinados, assistência a noticiários, em especial, em redes a cabo, leitura de best-sellers comerciais traduzidos, comer em restaurantes de fast food em franquia ao redor do mundo... A dominação que ainda persiste, embora marcada pelo estilo americano, é mais bem entendida como expressão de empresas transnacionais que facilmente se sobrepõem às regulações locais/nacionais/regionais. 
Em 2004, Google anunciou o projeto de digitalizar os “livros do mundo”, por volta de 15 milhões em seis anos, elevando-se a 30 milhões em dez anos. Esta ideia provocou reações inúmeras, em especial na Europa francesa, em defesa da “francofonia” e, de modo mais geral, da cultura europeia. Conhecida se tornou a reação de Jeanneney (2007) (Presidente da Biblioteque National de France), tanto por seu tom incisivo de crítica ao projeto do Google, como por sua perspectiva multicultural pertinente. Os argumentos centrais de Jeanneney são (Bearman, 2006): i) “a seleção dos livros a serem digitalizados é predominantemente baseada em língua inglesa; ii) a apresentação de trechos pequenos e páginas inteiramente conduzida por buscas de palavras chave de livros digitalizados pelo Google é cultural, contextual e organizacionalmente questionável; iii) o ranking dos resultados detém viés forte inglês e não leva em conta fatores fora do algoritmo do Google, tais como julgamentos de acadêmicos de importância; iv) acordos entre Google e bibliotecas fonte deixam os textos digitalizados nas mãos do Google, uma empresa privada, enquanto é do interesse público manter isso sob acesso maior; v) a provisão americana para ‘uso honesto’ (fair use) sob leis de copyright difere significativamente das leis equivalentes que operam na Europa” (Green, 2010:86).  
Quanto ao domínio da língua inglesa, Jeanneney chegou a afirmar que seria o caso “defender a qualquer custo... as outras línguas europeias portadoras de culturas diversas e complementares” (2007:7). A proposta do Google implicaria priorizar ideias e argumentos que se alinham à visão de mundo americana, até porque a primeira escolha de 15 milhões de livros (entre mais de cem milhões, segundo cálculo de Jeanneney), sendo pequena fração, tenderia a privilegiar obras em inglês. Levando-se em conta que muitos países de língua não inglesa usam muitas traduções do inglês, e que somente 3% das publicações anuais recebem tradução inglesa, a proposta do Google afunilaria ainda mais este tipo de colonialismo.
O valor do Google como motor de busca levantou preocupações óbvias de contexto para Jeanneney, já que não se sabe bem como funciona (limites e representatividade das buscas) internamente. Esta reclamação foi reforçada por Gorman (2004) (que viria a tornar-se Presidente da Associação Americana de Bibliotecas) (2005-2006), ao afirmar que os livros nas grandes bibliotecas são muito mais que a soma de suas partes. Distinguindo entre informação e conhecimento, sugere que “quando se trata de informação, um trecho da página 142 pode ser útil. Quando se trata de conhecimento, um excerto da página 142 deve ser entendido no contexto das páginas 1 a 141, ou o texto não teria valido a pena ser escrito e publicado”. Praticando Google o advertising e que influencia diretamente a ocupação dos primeiros lugares em seu ranking de sites, intromissões comerciais teriam de ser contempladas, sem falar que, tratando-se de um algoritmo patenteado comercial, permanece propriedade secreta. Faltando vinculação pública que daria durabilidade ao projeto, este poderia esfarelar-se caso a empresa Google viesse a falir ou desaparecer. Ainda, teríamos de idealizar contexto de proteção do material original que facilmente poderia ser danificado pela digitalização, assunto defendido frontalmente na Europa, mas não nos Estados Unidos. A reação forte de Jeanneney é motivada, em parte, pela “francofonia”, ou seja, pela disposição da França de defender sua língua contra invasões, em especial do inglês. Como o francês está perdendo terreno crescentemente no cenário internacional, há aí saudosismo evidente, embora se torne muito mais apropriado quando se toma em conta o ponto de vista europeu que gostaria de espaço próprio no mundo da internet.
Entre os contrapontos ao colonialismo americano poderíamos citar a promessa da “esfera pública” (inspirada em Habermas)[4] na internet, ainda que seja questão controversa. Também motivada por ideias como do software livre, da informação aberta a todos, da web sem fronteiras, do trânsito globalizado de processos e produto digitais, a esfera pública sempre foi um sonho elevado da internet como patrimônio público (Levy, 2010. Zittrain, 2008). Segundo Habermas, a noção de esfera pública se perdeu quando se tornou campo competitivo de interesses, à revelia dos interesses comuns. Muitos analistas apreciam a ideia, mas questionam, entre outras coisas, que a origem burguesa não seja suficiente para esconder a exclusão das mulheres e da maioria da população que não teria tempo e formação para discutir na rua. Outros defendem a ideia, ainda que bem retocada, como McKee (2004), questionando as imputações de trivialidade e comercialização, do espetáculo e fragmentação, da apatia política, procurando mostrar precisamente o contrário: tudo isso seria indício da expansão da esfera pública, deixando para trás o estereótipo cultural do domínio do homem branco, anglo, classe média, sério, educado... A diversidade das audiências, de sentido multicultural e globalizado, deveria ser celebrada como expressão de públicos inúmeros e variados, constituindo-se a riqueza da web. A própria apatia cultural precisa ser reanalisada, já que mudanças culturais tão profundas provocadas na e pela web são inescapavelmente políticas, embora não no estilo das cidadanias antigas. Há outras formas de mobilização via internet, naturalmente ambíguas, mas relevantes, com a vantagem de moverem a diversidade de audiências e de expressões próprias. Muitos, porém, acreditam que a internet estaria crescentemente sendo privatizada, alinhando-se cada vez mais aos ditames do mercado liberal. Outros apontariam para o fato de que, mesmo tendo sido impulsionada pelos militares para fins militares, a internet foi construída por acadêmicos e técnicos defensores frontais da liberdade de expressão e que viam na internet um patrimônio público. A luta, pois, continua...
Por falar em ambiguidade, uma das querelas constantes volta-se para a ambiguidade da informação e que retrata igualmente a liberdade de expressão: onde todos podem falar, nem tudo que se fala tem o mesmo valor. Exemplo mais visível é a wikipedia (Lih, 2009). Sendo o preço da liberdade é seu abuso (O’Neil, 2009), é inevitável que espaços abertos como a wikipedia sejam abusados. Muitos textos são triviais (Carr, 2010), sem falar nos vandalismos. É equívoco desprestigiar os especialistas (usados nas outras enciclopédias como referência maior de sua qualidade), porque, havendo certamente problemas “especiais” na sociedade e na vida, especialistas são indispensáveis. Mas há ampla margem de atuação para autores anônimos, chamados de “amadores” pejorativamente por vezes (Keen, 2007), mesclando amadores e especialistas, e que resultaram numa enciclopédia interessante, surpreendente, inovadora. Não substitui as outras, mas tem charmes próprios (Baker, 2008), embora muitos não a aceitem como fonte acadêmica, entre eles Green. “Assim, por que a wikipedia é em geral inaceitável como referência autônoma e de qualidade acadêmica para papers e ensaios de pesquisa? O jornalista da Wired, Pink, oferece uma resposta: ‘Enciclopédias aspiram a ser infalíveis. Mas a wikipédia requer que o perfeito nunca é o inimigo do bom. Editores cidadãos não necessitam apresentar um texto sem falhas. Precisam apenas torná-lo melhor. Como resultado, mesmo muitos wikipedianos creem que o site não é tão bom como as enciclopédias tradicionais’. Um estudo da revista Nature de 42 textos de ciência revelou que a wikipédia era menos confiável que a Britânica, mas nenhuma das duas era perfeita. A Britânica tinha três erros por artigo, enquanto a wikipedia quatro. A wikipedia de pronto corrigiu os erros identificados” (Green, 2010:133).


III. COLONIZAÇÃO DA MENTE


Como a nova geração, dita digital (em especial a geração “i” – igeneration)[5] (Rosen, 2010), apresenta contornos inovadores, surpreendentes, ao lado de outros conturbadores, cresce a preocupação em torno do que estaria ocorrendo em suas mentes (cérebro). Vai se tornando comum em países mais avançados (como Estados Unidos) que as crianças, deixando a escola, se dirijam a seu quarto onde ligam todos os artefatos eletrônicos (TV, celular, videogame, DVD, MP3, computador, etc.) e entram em interação constante, por vezes frenética, com seus pares (entre outras coisas, fazem assim seus deveres de casa); jantam quando a mãe as chama, voltando em seguida para o quarto, continuando a interação virtual; algumas dormem com aparelhos ligados, em especial o celular. Por isso, dizem alguns que tais crianças mantêm em média 20 horas de contato por dia com tais aparelhos (Rosen, 2010). Esta média parece absurdamente desmesurada, porque já se aproxima das 24 horas, mas indicaria a adesão crescente e aparentemente irrefreável deste tipo de mídia. Muitas preocupações seguem daí, entre elas a obesidade, a falta de contato direto com pessoas e amigos da idade, carência de exercício físico, inexistência de trânsito na vizinhança, amizades virtuais em excesso, e assim por diante. É neste contexto que entra a obra de Small & Vorgan (2008) sobre “iBrain – cérebro “i”), focando desafios da “alteração tecnológica da mente moderna”.
A tese não se restringe ao reconhecimento de que o cérebro, sendo órgão extremamente plástico, vai mudando e se reorganizando. Implica que o cérebro continua “evoluindo”, no sentido propriamente evolucionário (Drenthen et alii, 2009). “A explosão em andamento da tecnologia digital não está apenas mudando o modo como vivemos e nos comunicamos, mas rápida e profundamente alterando nossos cérebros. Exposição diária à alta tecnologia – computadores, smartphones, videogames, motores de busca como Google e Yahoo - estimula a alteração celular do cérebro e a descarga neurotransmissora, reforçando gradualmente novas rotas neuronais em nossos cérebros, ao mesmo tempo que enfraquecendo as velhas. Por conta da revolução tecnológica em curso, nossos cérebros estão evoluindo agora mesmo – numa velocidade nunca dantes vista” (Small & Vorgan, 2008:1). Esta afirmação pode ser excessiva, confundindo-se mudanças forçadas por pressões das tecnologias com mudanças evolucionárias, embora os limites sejam naturalmente ambíguos. De modo geral, entende-se por processo evolucionário percursos de duração expressiva no tempo (Gould, 1996; 2002), não mudanças circunscritas a uma geração ou coisa parecida. Embora as crianças abracem as novas tecnologias com entusiasmo (também exagerado), pareçam bem mais aparelhadas para lidar com elas do que os adultos, reivindiquem novos modos de aprender e conviver, tais mudanças, por mais que abalem as estruturas sociais anteriores, não seriam “evolucionárias” no sentido mais apropriado.
Os autores estão preocupados com o que se está perdendo com tais mudanças, o que já insinua tratar-se de dinâmicas circunscritas de alcance menos drástico. Estamos perdendo habilidades sociais fundamentais, como ler expressões faciais durante a conversa ou captar o contexto emocional de um gesto sutil. De fato, à medida que a interação se torna predominantemente virtual, o contato físico decresce/desaparece, podendo nos distanciar de habilidades fundamentais da convivência social direta. Estamos também perdendo habilidades mais clássicas de aprendizagem, como leitura profunda e meditada, estudo em biblioteca, consulta a enciclopédias tradicionais, elaboração de textos bem argumentados e analíticos (Carr, 2010), por conta de nos bastarmos com Google, Yahoo e outros motores de busca. Uma das consequências é o aprofundamento do hiato geracional com respeito às mentes (brain gap), levando a expectativas conflitantes, por exemplo, na escola: enquanto professores insistem em atividades de estudo exigentes (pesquisa, elaboração, leitura sistemática, argumentação), alunos mais novos expressam aborrecimento (Schneider, 2007), procurando forçar a adoção de modos mais rápidos, interativos e coletivos de aprender (símbolo maior desta banalização seria o texto do twitter) (Rosen, 2010). No entanto, o exemplo apresentado de que os cérebros, quando expostos a nova estimulação sensorial da informação, funcionam como uma câmara de filme exposta a uma imagem, não parece ser cabível. O filme recebe a imagem em termos definitivos, fixos, enquanto o cérebro continua plástico a vida toda, ainda que perdendo maleabilidade com a idade.
Atividades de pensar, sentir, mover-se acarretam interação neuronal no cérebro, em intensa comunicação recíproca. Com o amadurecimento, os neurônios brotam em ramificações abundantes (ou dendritos), recebendo sinais de longos filamentos de células cerebrais vizinhas. O montante de conexões celulares (ou sinapses) atinge seu máximo cedo na vida. Com idade de dois anos, a concentração de sinapses alcança seu cúmulo no córtex frontal, quando o cérebro infantil já tem o tamanho do adulto. Na adolescência, as sinapses se reduzem em cerca de 60% e, então, se acomodam na idade adulta. Havendo tantas conexões possíveis, os cérebros evoluíram no sentido de se protegerem de excessos e turbilhões, exercendo seletividade que permite apenas a passagem de certo montante de informação. “Nossos cérebros não funcionam eficientemente com informação demais” (Small & Vorgan, 2008:7). Parece ser esta uma preocupação pertinente: a web nos oferece informação demais, a ponto de nos desinformar. Além de isto perturbar a mente, não faculta analisar sua qualidade, induzindo a posturas triviais incapazes de discernir relevâncias. Apesar da plasticidade cerebral, reconhece-se que o ambiente pode moldar o formato e a função dos cérebros, com grande impacto, a ponto de este se tornar muito difícil de reverter. Em termos “normais”, o cérebro carece de equilíbrio entre estimulação ambiental e contato humano, tornando-se temerário pender para o lado da exposição tecnológica tão intensa e avassaladora. Apesar de o mundo virtual estar marcado pela interação, está revela um lado “solitário”, quando o contato físico é descartado.  
Embora o cérebro seja uma maravilha evolucionária (talvez o órgão mais complexo conhecido), também possui suas deficiências. “Os circuitos neuronais de nosso cérebro – axônios, dendritos e sinapses que os conectam – são biologicamente aparelhados para funcionar digitalmente. Para cada pensamento ou sensação – digamos, uma coceira no seu pé direito – múltiplos neurotransmissores são deslanchados de um neurônio, e todos tentam atravessar a sinapse para comunicar sua informação para o próximo neurônio, de sorte que a coceira possa ser coçada.  Contudo, só um número limitado desses neurotransmissores conseguem atravessar até ao receptor do próximo neurônio. Os que falham em conectar-se sinalizam um ‘0’, enquanto os que têm êxito na transmissão sinalizam um ‘1’. Todos os zeros deixados flutuando à volta representam a ineficiência do sistema binário digital do nosso cérebro. Essencialmente, processamento neuronal é ineficiente – o cérebro humano adulto responde por 20% de nosso gasto total de energia. Em outras palavras, se estivermos ingerindo uma dieta de duas mil calorias por dia, nosso cérebro sozinho queima 400 dessas calorias. Cérebros jovens em desenvolvimento requerem ainda mais energia – o cérebro de uma criança pode usar mais que 50% do influxo calórico do corpo todo” (Id.:13). Esta visão, entretanto, deixa de lado outra face do cérebro, que não é binária e algorítmica, mas “hermenêutica”, interpretativa, capaz de criar, comunicar e entender significados tipicamente complexos. É aquela dimensão na qual a “matéria se torna imaginação” (Edelman & Tononi, 2000). Por outro lado, sendo o cérebro possivelmente o órgão mais importante do corpo humano, não admiraria queconsuma proporção maior de energia. De todos os modos, que seja máquina marcada também por deficiências não precisa surpreender, porque o processo evolucionário, respondendo a uma multiplicidade de desafios, não dá conta de todos do mesmo modo. Até hoje há pesquisadores que afirmam estar o cérebro voltado essencialmente para a sobrevivência, não para o pensamento. Esta seria, para Willingham (2009), a razão maior por que os estudantes não gostam da escola!
Pode, porém, ser problema a “atenção parcial contínua” induzida pela exposição tão intensa da mente ao mundo virtual (Small & Vorgan, 2008:19). Esta questão une-se ao multitasking (multidesempenho): as crianças fazem muitas coisas ao mesmo tempo (estudar, responder mensagens, fazer chat, ver TV, mexer no computador, falar ao celular, etc.) (Rosen, 2010), e em geral com atenção parcial ou mesmo dispersa. Rosen reconhece que multidesempenho perfeito não existe, servindo como exemplo o videogame: os jogadores se concentram extremamente, por vezes durante lapsos de tempo enormes, desvelando que não é possível fazer algo exigentemente profundo com atenção dispersa. Resultado criticado, por vezes, agressivamente (Bauerlein, 2008. Jacoby, 2008) é a superficialidade da nova geração (Carr, 2010: The shallows). O problema é que “esses nativos digitais definiram uma nova cultura de comunicação – não mais ditada pelo tempo, lugar ou mesmo pelo como estamos parecendo no momento, a não ser se estiverem numa interação com vídeo ou postando fotos de si mesmos no MySpace” (Small & Vorgan, 2008:20). Vê-se esta nova cultura como irreversível, não bastando mais apenas questionar. É preciso dar conta dela, entre outras coisas enfrentar certas atrofias mentais, como com relação ao contato humano direto. Enquanto se multiplicam chances de aprender fora da escola e também na escola, por ser ambíguo este mundo das tecnologias também se enfraquecem modalidades tradicionais de estudo e aprendizagem em favor de procedimentos marcados pela rapidez, interação e trivialidade. “Sem estimulação suficiente face a face interpessoal, os circuitos neuronais da criança podem atrofiar-se, e o cérebro pode não desenvolver habilidades sociais interativas normais. Todavia, superestimulação pode, igualmente, afetar o desenvolvimento cerebral negativamente” (Id.:27). Perde-se a noção fundamental de “empatia”, já que a interação é feita em ambientes simulados e banhada pela obsessão pelo novo.
O viciamento é um dos tipos mais graves de colonização mental (Clark & Scott, 2009). Todos podem ser atingidos, sendo os seguintes critérios indicativos da desordem do viciamento: “i) preocupação – o indivíduo pensa demais sobre atividade online prévia ou constantemente antecipa a próxima sessão online; ii)tolerância – períodos mais longos online são necessários para se sentir satisfeito; iii) perda de controle – a pessoa é incapaz de reduzir ou de parar com atividades online; iv) recuo – tentativas de diminui ou parar uso da internet leva à agitação, irritabilidade e outras mudanças de humor; v) permanecer online – o usuário repetidamente fica online mais tempo do que originalmente pretendido. Em acréscimo, pelo menos um dos critérios seguintes precisa estar presente também: i) risco de dano funcional – com uso da internet arriscou-se a perder o emprego, ou oportunidade educacional ou de carreira, ou relacionamento importante; ii) acobertamento – o usuário mente a outrem para esconder suas atividades na internet; iii) fuga – o indivíduo entra online para aplacar sentimentos desconfortáveis, escapar de problemas, ou para não enfrentar relacionamentos pessoais” (Small & Vorgan, 2008:53). Mas há outros níveis preocupantes de comportamento inadequado, entre eles o “amor ao primeiro site” (Id.:95), ou seja, o envolvimento temerário com parceiros, podendo atingir consequências dramáticas.
Importante é procurar certo equilíbrio, também levando-se em conta que não cabe apenas questionar a nova geração. O uso das novas tecnologias não deveria prejudicar o contato humano direto, razão pela qual os pais não podem ser coniventes com a transformação do quarto de seu filho num casulo impermeável. Habilidades de contato humano continuam insubstituíveis, como comunicação não verbal, interação direta e física, desenvolvimento da empatia, participação do convívio. “Todo esse tempo solitário do computador deixa cérebros jovens menos expostos à estimulação vital da interação social face a face” (Id.:116). É preciso valorizar a linguagem corporal, a expressão facial, o contato olho no olho, o toque, a aparência...


CONCLUSÃO


Análises críticas do mundo virtual são fundamentais, não só para se contraporem aos excessos de entusiasmo, mas principalmente para termos dele noção mais bem plantada na realidade da vida. Do ponto de vista dos adultos, trata-se de avalanche devastadora, sobretudo quando observamos que a nova geração vai se distanciando de nós. Do ponto de vista dos “nativos”, parece algo normal, porque é notória a acomodação fácil das crianças neste mundo. Parece feito para elas. No entanto, correm-se inúmeros riscos, que não cabe satanizar, mas contornar, sob o “olhar do educador”. Há muitas formas de colonização no mundo da internet, preocupando, entre outras, o imperialismo americano, visto agora em declínio por conta sobretudo do levante chinês, mas ainda vigente nas empresas transnacionais prepotentes. Em certo sentido, não deveria surpreender, já que, sociologicamente falando, linhas de força em sua estruturação e dinâmica são inerentes, ainda mais tratando-se de fenômeno de tamanhas proporções e significados. Neste contexto, pode preocupar que crianças naveguem na net ingenuamente, embaladas pela “sensação de liberdade”. De fato, uma das marcas que mais as fascinam é “pilotar a máquina” (Demo, 2009), imaginando que cavalgam o computador à vontade. Como detestam ao argumento de autoridade (facilmente incorporado pelo professor e sua aula indiscutível), apreciam espaços onde supõem movimentar-se livremente. Esta liberdade é claramente irreal, porque a internet é intensamente regulada por cercos menos perceptíveis (protocolos, por exemplo – Galloway, 2004). Neste sentido, a sensação de liberdade é exagerada, induzindo na criança movimentações que lhe parecem ilimitadas. Isto pode provocar certa despreocupação ingênua, facilmente abusada pelo advertising, por exemplo. A presença orientadora dos pais torna-se fundamental, não para proibir pura e simplesmente (seria tendencialmente contraproducente), mas para privilegiar o uso responsável, crítico e autocrítico.


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[1] Exemplo dos mais notórios é a posição de Roszak (1994:233): Não importa quão elevada é proclamada a promessa da era da informação. O preço que pagamos por seus benefícios nunca irão ultrapassar seus custos. A violação da privacidade é a perda da liberdade. A degradação de políticas eleitorais é a perda da democracia. A criação da máquina computadorizada de guerra é a ameaça direta à sobrevivência da espécie. Seria algum conforto concluir que tais imputabilidades resultam do abuso do poder do computador. Mas tais são os objetivos desde sempre selecionados por aqueles que inventaram tecnologia da informação, que guiaram-na e financiaram-na em cada ponto ao longo do caminho em seu desenvolvimento. O computador é sua máquina; sua mística é sua validação”.
[2] “No entanto, em janeiro de 2010, um ataque cibernético ao google.cn instigou a cessação da censura chinesa aos resultados de busca” (Zetter, 2010. Apud Green, 2010:53).
[3] Expressão utilizada para designar um instituto de pesquisa ou organização recrutada para resolver problemas complexos, predizer ou planejar desenvolvimentos futuros, como em áreas militares, políticas ou sociais.
[4] Uma das apresentações de Habermas da esfera pública: “Um reino de nossa vida social no qual algo próximo da opinião pública pode ser formado. Acesso é garantido a todos os cidadãos. Uma porção da esfera pública surge em cada conversação na qual indivíduos privados se reúnem para formar um corpo público... Cidadãos se comportam como um corpo público quando se consultam numa maneira irrestrita – isto é, com a garanti de liberdade de assembleia e associação e a liberdade de expressar e publicar suas opiniões – sobre questões de interesse geral... A esfera pública como uma esfera que media entre sociedade e Estado, na qual o público se organiza como portador da opinião pública, harmoniza-se com o princípio da esfera pública – este princípio da informação pública que uma vez teve de ser arrancada contra as polícias arcanas das monarquias e que desde então tornou possível o controle democrático das atividades estatais” (1989a:73-74) (Apud Green, 2010:116).
[5] Segundo Rosen, “logo atrás da geração net está a geração ‘i’, nomeada assim em consonância com os equipamento e sites que levam um ‘i’ – iPod, iTunes, Wii, iChatiHome, iPhone, ‘i’-qualquer coisa. Pouca pesquisa tem sido feita sobre essas crianças com idade pré-escolar, fundamental ou secundária nascidas nos anos 1990 e no novo milênio, mas nossas entrevistas com pais de mais de duas mil delas mostram que está adotando tecnologia e mídia muito antes do que seus irmãos e irmãs mais velhos...” (2010:20).








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